quinta-feira, 23 de maio de 2019

Taças de vinho



Texto original retirado do livro A Bíblia do Vinho (Karen MacNell)
Desde o início dos tempos, os recipientes para beber foram inspirados em formas naturais: mão em concha, o chifre cônico de um animal, uma abóbora dividida em duas tigelas, uma flor e seu caule. Essas imagens simples deram origem a um incrível número de objetos usados ao longo da história para beber vinhos. Variam desde peles de animais do mundo antigo até os copos plásticos atuais.
Mas se houve uma substância apropriada para o vinho, foi o vidro. Copos para vinho não são uma invenção moderna. No século I a.C, já se faziam cálices, canecas e garrafas de vidro soprado, no Mediterrâneo e no Oriente Próximo. Esses primitivos vasilhames são extremamente valiosos e raros.
É notável que os copos modernos sejam feitos essencialmente do mesmo modo que os antigos. Basicamente, combina-se areia comum - que contém sílica - com cinza de árvores - potassa. A mistura é então aquecida a um calor intenso - até cerca de 1.370 C - , temperatura que derrete e funde as substâncias. Depois do aquecimento, a bolha derretida é soprada e moldada.
A produção do vidro alcançou o apogeu nos séculos XVI e XVII, na ilha de Murano, perto de Veneza, na Itália. Alí,  os vidreiros tornaram-se  virtuais cativos da sua própria corporação.
Qualquer soprador de vidro que fosse apanhado tentando escapar da ilha ou revelasse o segredo da produção veneziana de vidros era punido com a morte. (O vidro de Murano ainda é considerado entre os mais belos da Europa).
Enquanto isso, na Inglaterra, talvez por acaso, surgiu a maior inovação na produção de vidro. Em 1674, um soprador de vidro chamado George Havenscroft descobriu que o vidro derretido ficava mais maleável quando se acrescentava uma pequena quantidade de óxido de chumbo. A partir daí foi possível esboçar e entalhar desenhos elaborados no cristal com chumbo. Além disso, depois de formado, o cristal com chumbo era mais brilhante e durável do que o vidro simples.
Num efeito yin-yang, os copos mais belos tornaram-se um incentivo para se criarem melhores vinhos e bebidas.
Estes, por sua vez, inspiraram copos mais bonitos. Um dos melhores exemplos é o Champagne, produzido pela primeira vez no final de 1600, o Champagne era turvo, com sedimentos, viscoso e doce. Quando os avanços na produção do vidro  resultaram em copos de brilho, elegância e transparência que até então jamais se imaginou  fosse possível conseguir, esses copos novos e graciosos inspiraram melhorias na produção do Champagne. Por sua vez, a melhoria na clareza do Champagne inspirou copos ainda mais encantadores nos quais se pudesse  servir o belo Champagne.
Desde a invenção até o início do século XIX, os copos eram usados principalmente pela realeza e sobretudo em ocasiões especiais. A compra de um copo para vinho era considerada um investimento sério, e nos banquetes de maior prestígio um copo podia ser compartilhado por vários convivas. Se o anfitrião fosse especialmente rico, os copos do banquete poderiam incluir alguns desenhados especialmente para a ocasião, de fundo arredondado e sem pé. Esses copos tornavam a festa mais animada porque só se poderia pousá-los sobre a mesa depois de esvaziá-los, caso contrário o líquido entornaria. Esses recipientes de vidro foram os percursores dos atuais copos baixos.
No século XIX, a produção de vidro progrediu quando melhoraram as técnicas de sopro. Começaram a surgir vidrarias capazes de manufaturar em grande escala. Inventou-se o processo de fazer copos a partir de moldes. Rapidamente a feitura de copos alcançou uma escala de produção que permitiu tornar acessíveis os conjuntos de copos, que se transformaram em símbolos de prestígio social. Em todos os melhores banquetes, diante de cada convidado estariam dispostos vários copos de pé: um para Champagne, um para vinho tinto, um para vinho branco, um para Jerez, etc.
Técnicas e moldes modernos também permitiram maior variação nas formas e cores das garrafas, Por toda a Europa, as vidrarias passaram a produzir garrafas em modelos apropriados para serem identificados com certos vinhos.
Garrafas de ressalto inclinados eram usadas para vinhos Borgonha; garrafas extremamente delgadas destinavam-se a vinhos alemães. Garrafas de ressaltos altos, úteis para bloquear os sedimentos durante a decantação, eram utilizadas para vinhos Bordeaux.
No fim do século XX, um renovado senso de criatividade atingiu o mundo da produção de vidro. O desenho dos copos para vinho variou desde os mais estranhos  até os quase exageradamente clássicos. E pela primeira vez em décadas as garrafas de vinho voltaram a ser um veículo para desenhos de vanguarda.

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